Escutas telefônicas obtidas pela
Polícia Federal durante a investigação de uma fraude envolvendo empréstimos do Pronaf a pequenos agricultores de municípios do Vale do Rio Pardo, no
Rio Grande do Sul, citam o nome do deputado federal reeleito pelo PT Elvino Bohn Gass, como mostra reportagem do Bom Dia Rio Grande, programa da RBS TV (veja no vídeo). No
inquérito, o nome do petista aparece em conversa entre investigados pelo esquema que desviou R$ 79 milhões a partir de 24,7 mil transferências bancárias
intermediadas pela Associação Santa-Cruzense dos Agricultores Camponeses (Aspac), integrante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). No total, 6.309 pequenos
agricultores foram lesados.
A investigação começou após relatos dos próprios produtores rurais lesados ao Ministério
Público e à Polícia Federal. De acordo com os agricultores, os empréstimos solicitados eram liberados pelo Banco do Brasil, mas a Aspac dizia para o agricultor
que o crédito não havia sido aprovado e transferia o dinheiro para a própria conta. O MPA então convencia o produtor a encaminhar um novo pedido. Quando o
segundo financiamento era liberado, a vítima era avisada que o dinheiro estava na conta. As transferências bancárias eram feitas pelo MPA com o uso de uma
procuração, assinada pelos agricultores junto com os contratos do Pronaf.
Além dos empréstimos do Pronaf, de acordo com a
investigação, operações de CDC (crédito direto ao consumidor) eram feitas com a documentação assinada pelos agricultores e os valores eram
transferidos para a associação. Os produtores rurais só ficavam sabendo da fraude quando o banco começava a cobrar a dívida.
Durante a investigação, a Polícia Federal cruzou a lista de agricultores endividados com a relação de suicídios ocorridos na região de Santa
Cruz do Sul. Foram encontrados 10 casos de pessoas que se suicidaram nas cidades de Candelária, Herveiras, Mato Leitão, Passo do Sobrado, Santa Cruz do Sul, Sinimbu, Vale do
Sol, Vale Verde e Vera Cruz e que tinham movimentação bancária envolvendo a Aspac.
As escutas relatam várias conversas entre os
envolvidos no esquema. O coordenador do MPA em Santa Cruz do Sul, Wilson Rabuske, que também é vereador do município pelo PT, é um dos investigados. Ele é
flagrado negociando os empréstimos e valores a que ele se refere como "seguro" e também sendo cobrado por agricultores que perceberam a não
liberação do dinheiro. Laudos financeiros obtidos pela PF mostram que Rabuske recebeu R$ 700 mil em sua conta pessoal. A mulher dele recebeu R$ 324 mil.
O nome de Bohn Gass aparece na conversa entre um representante da Aspac e um produtor rural.
EVANDRO - Só que assim... O cara que sabe esses rolo tudo melhor que
qualquer um é o Elvino. O cara que o MPA abriu o jogo, porque eles acusaram, né...
JÚLIO - Quem é esse?
EVANDRO -
Teve rolo. Porque teve muito dinheiro dos [inaudível] inclusive.
JÚLIO - Elvino?
EVANDRO - Que foi para... Elvino Bohn
Gass.
JÚLIO - Ah.
EVANDRO - E que muito dinheiro foi pra campanha do Wilson e pra campanha do Bohn Gass ...
JÚLIO - Claro, claro, mas lógico.
EVANDRO - Pra campanha do Wilson ... E essa dívida que existe, tá muito ligada a isso.
Em seguida, o representante diz que o MPA estava com dificuldades de pagar dívidas que chegavam a R$ 1 milhão.
EVANDRO - (...) Um colega meu ficou
sabendo por um assessor do Elvino. Que o Elvino ia
ajudar a pagar isso, mas eles não sabem como vão fazer porque eles não podem inventar uma emenda
de R$ 500.000 em ano de eleição, né.
JÚLIO- Ah, pois é.
EVANDRO - Vái ser tiro no pé
dele.
JÚLIO - Mas né, Evandro. Detalhe que o que eles fizerem pra tapar esse furo eles vão abrir outro.
EVANDRO -
Sim, eles vão abrir outro. Isso é certo.
JÚLIO - Eles vão ter que que abrir outro nem que for pra [...] depois da
eleição.
EVANDRO - O MPA não tem dinheiro pra pagar. Eles não têm um milhão de reais pra pagar toda essa conta. Não
tem. Até tem muitos lugares que o MPA funciona de forma séria.
O deputado também aparece nos grampos ao telefonar para Rabuske no dia 31 de dezembro
de 2013.
BOHN GASS - Rabuske!
WILSON -Tudo bom deputado!
BOHN GASS - Tudo bem, tudo bem.
WILSON -
Deputado, tava lendo hoje as notícias dos decretos que saíram ontem, o que o senhor acha, é bom?
BOHN GASS - Eu acho, eu acho, que os decretos
para o pessoal dos assentamentos tá boa, o problema é dia 8, não tá ainda, não veio ainda o do agricultor familiar, né.
WILSON - Mas o jornal de hoje tá dizendo que saiu ontem dois decrelos, com selo monetário.
BOHN GASS - Não, não, saiu, mas é, na
verdade é o pronaf A, pega 'pronafianos' e é pra ter uma nova medida, uma nova reunião, que o Pepe me disse esses dias, que até pelo dia 8, ele queria
fazer essa nova reunião. Então saiu parte, eu acho que hoje o assentado da reforma agrária tão bem (...). Vai ter novidade na agenda sobre isso no início
do ano tá, vai ter uma reunião do ministro com os movimentos.(...)
WILSON - Então tu acha que vai ser positivo.
BOHN GASS -
Vai ser, eu acho que vai ser. Vai ter, não tudo que a gente deseja, né, mas sempre vai ter uma. A gente tá conversando muito com o banco, pro banco ser parceiro nisso
(...).
WILSON - Então tá bom. Ta bom, deputado.
BOHN GASS - Wilson, uma boa passada de ano, mas nós nos falamos. Tamo
acompanhando direto, emprenho (sic) e outras coisas em Brasília, no dia de hoje tá.
WILSON - Eu te liguei mais, pra desejar um feliz 2014 pro
senhor.
BOHN GASS - Não e que tenhamos todo êxito e obrigado pela parceria (...)
Depois que o nome do deputado apareceu na
investigação, o inquérito foi remetido ao Supremo Tribunal Federal porque o parlamentar tem foro privilegiado. Ao remeter a investigação ao STF, a
juíza federal Karine da Silva Cordeiro cita em seu despacho que a investigação da PF indica "de forma clara e consistente, suposto envolvimento do deputado federal
Elvino Bohn Gass com o grupo investigado".
Procurado pelo G1, o deputado se manifestou somente por meio de nota oficial. “Ainda não tivemos acesso
aos documentos oficiais. Do que pude saber a partir do vazamento seletivo de gravações, é que o trabalho que fiz para ajudar agricultores está sendo interpretado
como parte de algo ilícito. Nunca sequer cogitei uma coisa dessas. Muito menos, que a minha ajuda pudesse servir para encobrir o que quer que seja. Eu, efetivamente, tentei ajudar os
agricultores. Desconheço e repudio qualquer irregularidade. Mais do que ninguém, quero que a investigação seja completa. Sempre estive e sempre estarei ao lado
dos agricultores, inclusive trabalhando pela renegociação de suas dívidas toda vez que isso for justo e necessário", afirma a nota.
A
Aspac informou que não vai se pronunciar sobre o caso antes de ter acesso ao conteúdo da investigação. Wilson Rabuske, acompanhado de seu advogado, disse que
ainda não teve acesso ao conteúdo da investigação da PF. Ele admitiu que, junto com a mulher, movimentou dinheiro da Aspac e dos associados que faziam
empréstimos do Pronaf.
"Foram feitos pagamentos pela minha conta pessoal, quando a associação não tinha disponibilidade, inclusive
do uso de talões de cheques para nós honrarmos os compromissos, nós usávamos a conta pessoal", alegou.
A Procuradoria Geral da
República abriu procedimento investigatório criminal para apurar o vazamento das informações e a fraude no Programa Nacional de Desenvolvimento da Agricultura
Familiar, o Pronaf. A Polícia Federal não se manifesta sobre o assunto.
Segundo os procuradores, a operação estava autorizada desde
abril, mas a PF teria pedido o adiamento. Às vésperas da Copa, faltaria efetivo para o cumprimento dos mandados. A nova data prevista era final de outubro. Havia a
determinação do STF para que os nove mandados de busca e apreensão fossem acompanhados por procuradores. Mas, ao contrário do combinado entre os
órgãos, a PF teria decidido realizar as buscas no dia 30 de setembro, e avisado a PGR apenas 4 dias antes. Desta vez, foi a PGR que pediu o adiamento por considerar que
não seria possível mobilizar o efetivo necessário a tempo. Como a polícia insistiu na realização das buscas sem a participação do
Ministério Público, o procurador-geral da República solicitou que o Supremo determinasse o cancelamento da operação.
No dia 3 de
outubro, o cancelamento da operação e informações sobre os investigados, incluindo o deputado federal Elvino Bohn Gass, foram publicadas na imprensa. O vazamento
dessas informações sigilosas estão sendo investigadas e motivaram o cancelamento das ações. Segundo a PGR, mesmo prejudicada, as
investigações continuam.
Convênio com o MPA foi suspenso
A Aspac tem mais de 5 mil agricultores
associados na Região do Vale do Rio Pardo. O caso chegou a ser investigado pela Polícia Civil, mas como envolve o desvio de recursos da União, foi encaminhado à
Polícia Federal. O Banco do Brasil suspendeu o convênio com o MPA. Segundo a ata de reunião com os diretores do movimento, em 2012 e 2013 a inadimplência chegou a
50% nas duas agências. A direção do MPA informou ao banco que sabia das irregularidades há um ano.
Em nota, o Banco do Brasil informou
que iniciou apurações internas para verificar reclamações relacionadas a operações do Pronaf em Santa Cruz do Sul e Sinimbu.