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03/07/2020 | 06:28 | Política

Em ano eleitoral, prefeitos têm contas a prestar aos eleitores e à Justiça

Nos últimos quatro anos, pelo menos 18 gestores municipais tiveram os mandados interrompidos por problemas judiciais no Rio Grande do Sul

Nos últimos quatro anos, pelo menos 18 gestores municipais tiveram os mandados interrompidos por problemas judiciais no Rio Grande do Sul
Em Rio Pardo, prefeito foi preso em operação que apura suspeita de desvios na saúde - Ronaldo Bernardi / Agencia RBS
Com a proximidade da campanha eleitoral, prefeitos gaúchos começam a se preparar para prestar contas aos eleitores. Todavia, alguns têm mais a explicar do que promessas não cumpridas ou obras atrasadas. Nos últimos quatro anos, ao menos 18 prefeitos gaúchos tiveram os mandatos interrompidos por problemas judiciais. Nove foram afastados do cargo, seis sofreram impeachment (sendo que dois desses também foram afastados antes) e outros cinco foram cassados.
No caso mais grave, o prefeito de Rio Pardo, Rafael Reis Barros (PSDB) está preso desde 27 de maio, suspeito de operar uma fraude que desviou R$ 15 milhões do caixa municipal. Barros renunciou ao cargo em 23 de junho. Ele é apontado pelo Ministério Público Federal (MPF) como o responsável por terceirizar serviços de saúde no município por valores superfaturados.
O esquema é semelhante ao investigado em Santana do Livramento pela Procuradoria dos Prefeitos, órgão do Ministério Público Estadual (MP). O prefeito Solimar Charopen Gonçalves, o Ico Charopen (PDT), foi afastado em dezembro e só retornou ao posto cinco meses depois, denunciado por sete crimes, entre eles organização criminosa e corrupção.
O MP investiga um possível braço desse esquema em Bagé, onde a 1ª Promotoria de Justiça Especializada verifica eventuais atos de improbidade administrativa envolvendo a mesma entidade que presta serviços na área da saúde. Em outra investigação, o prefeito Divaldo Lara (PTB) ficou três meses afastado no ano passado por decisão do Tribunal de Justiça. 
Com os direitos políticos cassados pelo Tribunal Regional Eleitoral, Divaldo tem contra si duas denúncias criminais no (TJ) e cinco ações de improbidade administrativa. Na mais recente, ajuizada em fevereiro, teve os bens bloqueados após o MP identificar um suposto desvio de R$ 1,3 milhão em contratos públicos com uma empresa que, sediada em uma garagem, ampliou seu faturamento em 1.562% somente no primeiro ano da atual gestão municipal.
Divaldo e Ico estão entre os raros prefeitos que, afastados pela Justiça, conseguiram obter decisões judiciais para retornar ao posto. Aldi Minetto, em Vitória das Missões, e Carlos Alberto Vigne, de Braga, ambos do PDT, completam o grupo. 
Suspeito de trocar votos por cargos, o Minetto ficou uma semana sem poder exercer o mandato, em julho de 2017, por determinação da Justiça Eleitoral. Já Vigne ficou 360 dias afastado por decisão judicial, após indícios de irregularidades em licitação da rede de esgoto e por suposto pedido de propina a empresários.
Outros cinco gestores não obtiveram êxito na tentativa de reassumir o comando das respectivas prefeituras. Além de Rafael Barros, preso, o prefeito de Viamão, André Pacheco (sem partido), está impedido de até mesmo frequentar as dependências da prefeitura. Ele teve o mandato suspenso em fevereiro pelo TJ, pelo prazo de 180 dias, por supostas irregularidades em contratos de publicidade e coleta de lixo.
Em Montenegro e Alpestre, as questões judiciais tiveram reflexo políticos fatais para as gestões dos administradores. Luiz Américo Aldana (PSB), de Montenegro, havia sido afastado por seis meses, em agosto de 2017, após investigação que apurava fraudes em contratos de transporte escolar, terraplanagem, drenagem, e obras urbanas. Um mês depois, ele teve o mandato cassado em processo de impeachment aprovado na Câmara de Vereadores.
Destino parecido teve Alfredo de Moura e Silva (MDB), de Alpestre. Afastado por decisão judicial em 2017 após suspeitas de direcionamento de licitações, ele respondia a um processo de impeachment na Câmara Municipal quando renunciou ao cargo, em maio de 2018.
O único dos gestores cujo mandato foi interrompido por denúncia estranha ao universo político é Armando Carlos Roos (PP), de Não-Me-Toque. Ele foi cassado pela Câmara de Vereadores após ser acusado de assédio sexual contra duas servidoras públicas. Flagrado em vídeo por uma das vítimas, ele estava afastado pela Justiça quando sofreu impeachment.
MP acusa prefeito de Livramento de sete crimes
Após cinco meses afastado da prefeitura de Santana do Livramento, Solimar “Ico” Chaporen Gonçalves (PDT) reassumiu o cargo numa cerimônia discreta, em 26 de maio. A sobriedade se justifica. Ao mesmo tempo em que retomava o comando do município, Ico foi denunciado pelo Ministério Público por supostamente comandar uma organização criminosa que teria sangrado os cofres públicos em pelo menos R$ 3,6 milhões.
Em 174 páginas, o MP esmiúça 10 crimes que teriam sido cometidos no esquema de superfaturamento na terceirização de serviços públicos. De acordo com a investigação, o prefeito teria recebido mesada de R$ 40 mil em troca da assinatura de contratos irregulares com a Ação Sistema de Saúde e Assistência Social, uma entidade que atuou sem licitação na rede municipal de saúde e educação. 
No total, Ico foi acusado de sete crimes, incluindo corrupção e desvio de verbas. Também foram denunciados três empresários e outros oito servidores públicos, entre eles os secretários da Fazenda, da Educação e da Administração e o procurador-geral do município.
“Ficou evidenciado que o prefeito Solimar Charopen Gonçalves é o líder, o chefe da organização criminosa instalada no Poder Público Municipal de Santana do Livramento, especialmente para a prática de crimes licitatórios, de responsabilidade e contra a administração pública com o objetivo de beneficiar os integrantes do grupo criminoso por ele chefiado”, descreve o procurador Keller Clós. Somente em despesas não autorizadas, Ico teria repassado R$ 9,4 milhões à entidade.
Conforme o MP, a propina de R$ 40 mil teria sido repassada ao prefeito entre janeiro e julho de 2018, sempre em dinheiro vivo e tão logo a prefeitura quitasse a parcela mensal à Ação. Os promotores rastrearam os saques, efetuados em agências bancárias de Bagé, e as mensagens trocadas entre os gestores da entidade, inclusive relatando cobranças do prefeito.
Também foram localizados registros do aluguel de uma casa em Torres e do pagamento de uma diária em hotel para que Ico e a esposa passassem 10 dias de férias entre 13 e 23 de fevereiro de 2018. Os promotores anexaram ao processo mensagens em que os gestores da Ação Sistema de Saúde e Assistência Social comentam a procura pela casa e a negociação por melhor preço.
"Não poderia ser dia 13? Daí consigo melhores condições", escreve um dos empresários. "Vish, prefeito já tá com data marcada. Dia 12", responde o sócio, em 8 de fevereiro. No dia seguinte, vem o aviso: "Consegui a casa que o Iko (sic) gostou aqui, 10 dias 3.500 (reais). O que você acha?". "Beira-mar para Carnaval. Nem tem que pensar", confirma o colega.
O MP rastreou as transferências bancárias feitas pelos empresários para a conta corrente da corretora de imóveis responsável pelo aluguel, cujo contrato foi celebrado em nome da mulher de Ico. Depois, analisando por meio das antenas de telefonia o deslocamento realizado pelo aparelho celular de Ico, os promotores confirmaram a presença dele em Torres no período da locação.
Além da condenação, o MP pede que o prefeito seja afastado em definitivo do cargo e fique impedido de exercer função pública por cinco anos. O desembargador Rogério Leal ainda não analisou a denúncia, mas entendeu preliminarmente que manter o afastamento seria equivalente a uma cassação do mandato.
Os afastados
Alpestre – Alfredo de Moura e Silva (MDB)
Bagé – Divaldo Lara (PTB)
Braga – Carlos Alberto Vigne (PDT)
Montenegro – Luiz Américo Alves Aldana (PSB)(depois, sofreria impeachment)
Não-Me-Toque – Armando Carlos Roos (PP) (depois, sofreria impeachment)
Rio Pardo – Rafael Reis Barros (PSDB)
Santana do Livramento – Solimar Charopen Gonçalves (PDT)
Viamão - André Nunes Pacheco (PSDB)
Vitória das Missões – Aldi Minetto (PDT)
Impeachment
Campo Novo – Antônio Sartori (PSB)
Caxias do Sul – Daniel Guerra (Republicanos)
Farroupilha – Claiton Gonçalves (PDT)
Lindolfo Collor – Wiliam Winck (PP)
Montenegro – Luiz Américo Alves Aldana (PSB)
Não-Me-Toque – Armando Carlos Roos (PP)
Cassados pela Justiça Eleitoral
Bom Jesus – Frederico Arcari Becker (PP)
Ivoti – Maria de Lourdes Bauermann (PP)
Palmares do Sul – Cláudio Luiz Moraes Braga (Pros)
Paraí - Oscar Dall’Agnoll (PP)
Parobé – Irton Bertoldo Feller (MDB)
Fonte: Ministério Público do RS e Famurs
Contrapontos
O que diz Divaldo Lara, prefeito de Bagé
“Cinco prefeitos que me antecederam também tiveram os bens bloqueados. Não é fácil ser prefeito. Muitas das denúncias absurdas que fizeram contra mim já foram arquivadas e essas também serão. A prova é que por três votos a zero os desembargadores negaram o pedido do MP de um novo afastamento. A ação civil pública é a maneira que o MP tem de elucidar os fatos e a oportunidade de eu mostrar a lisura dos meus atos. As ações criminais são desdobramento das ações civis e nem sequer foram acolhidas ainda. Tenho plena convicção de que tudo que fiz foi embasado em parecer jurídico e dentro dos princípios da administração pública, tanto que minhas contas foram aprovadas. O tempo vai provar que tudo foi feito de forma correta e legal.”
O que diz Carlos Alberto Vigne, prefeito de Braga
“Eu fiquei um ano afastado, reviraram minhas contas de cabeça para baixo e não acharam nada. No caso da propina, era um pedido de empréstimo que eu havia feito enquanto aguardava sair o pagamento da minha recisão. Foi em 2016, eu nem prefeito era e os caras, que eram meus amigos, nem sequer me emprestaram. Mesmo assim teve denúncia, mas o Tribunal de Justiça rejeitou. O caso da licitação eu revoguei o edital, a licitação nunca saiu e a empresa que seria favorecida nunca fez uma obra aqui em Braga. Eu dei azar porque falei com os caras por telefone e eles eram investigado num outro caso, mas nunca houve favorecimento.”
O que diz Ezequiel Vetoretti, advogado do ex-prefeito de Rio Pardo Rafael Barros
“Rafael Barros nega com veemência as acusações feitas pela Polícia Federal e as considera meras conjecturas, que serão facilmente explicadas, quando tiver a oportunidade de se defender. O episódio da desinfecção das ruas, por exemplo, que foi divulgado pelas autoridades e gerou revolta na população, colocando o nome de Rafael na lona, acaba de ser esclarecido perante à Câmara de Vereadores do Município de Rio Pardo nos autos da CPI instaurada para apurar essa situação. Foram ouvidas as pessoas envolvidas no processo de desinfecção das ruas e restou confirmado que, ao contrário do que disseram as autoridades em suas entrevistas, o procedimento foi realizado com a utilização do produto químico. Em especial, o depoimento de um funcionário que participou do início ao fim, demonstrou que foi utilizado o produto químico. Tão fácil esclarecer a verdade, basta que haja o real interesse na verdade.”
O que diz Solimar “Ico” Charopen Gonçalves, prefeito de Santana do Livramento
“Fui alvo de uma ação truculenta . Tenho minha consciência muito tranquila e vou provar minha inocência. O MP inclusive errou nos números, falou em pagamentos de R$ 18 milhões, desvios de R$ 3 milhões. Quero ver eles provarem. Não pode confundir valor empenhado com valor pago. Mas a função deles é só acusar. Já pedi perícia contábil nas contas da prefeitura, nas minhas próprias contas e eles estão errados. Não tem uma conversa minha pedindo dinheiro, casa em Torres, nada. Gosto muito de Torres e toda vez que eu fui lá eu paguei. Onde está a prova de que algum dia eu recebi algum dinheiro? Nada. Eu quero que provem”.
O que diz Alfredo de Moura e Silva, ex-prefeito de Alpestre
“Eu estou respondendo esse processo na Justiça e não fui ouvido ainda, então não vou te dizer nada. Não faz sentido eu falar contigo antes de falar à Justiça. Acabei renunciando porque o processo político era descabido. Não era justo e estava tudo preparado para me tirarem o mandato”.
O que diz Armando Carlos Roos, ex-prefeito de Não-Me-Toque
“A Justiça ainda não se pronunciou. Prestei depoimento, fiz a minha defesa e agora estou esperando uma decisão. Reafirmo a minha inocência e estou aguardando o desfecho do caso. Na Câmara, o impeachment foi um jogo político, me cassaram sem provas depois que três vereadores aliados votaram com a oposição. Dezoito testemunhas prestaram depoimento e nenhuma viu nada.”
O que diz Aldi Minetto, prefeito de Vitória das Missões
“Levou quase dois anos, mas fui absolvido dessa acusação. Foi uma ação da chapa opositora, me condenaram na justiça local e no TRE, chegaram a me afastar uma semana do cargo. Mas recorri à Brasília e o TSE me absolveu. Ficou provado que não tinha nada.”
GaúchaZH não conseguiu contato com os ex-prefeitos André Pacheco e Luiz Aldana, e com a Ação Sistema de Saúde e Assistência Social. 
Fonte: Gaúcha ZH
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